“Sobre o passado que escolhemos contar, dois exemplos são eloquentes. Um é do bairro da Liberdade, lugar de absoluta centralidade para a memória negra, escrava e liberta da cidade, porque próximo dali se situava o pelourinho onde se comerciavam os escravos, a forca onde se celebrava em praça pública a violência e a tortura, e a Capela dos Aflitos, cemitério de pretos e indigentes. Quem passa hoje por ali esbarra nas lanternas japonesas que adornam o bairro. Até mesmo a palavra Liberdade, que dá nome à Praça e Estação do Metrô, foi acrescida a palavra Japão, sinalizando de forma clara uma opção: não vale nem a memória negra, nem mesmo o reconhecimento dos milhares de coreanos e chineses que, em décadas mais recentes, constituem os grupos de imigrantes asiáticos mais numerosos da cidade”.
“O Bexiga é mais um exemplo : as tradições italianas que, de fato, floresceram na região desde a virada do século 19, conviveram – e convivem – com uma presença negra que, desde o quilombo do Saracura, as casas de fundo aos pés do espigão dos palacetes, afirmaram este lugar como um dos centros da vida social, cultural, religiosa e política da negritude paulistana”.
“Mas esta história parece o tempo todo ser residual e eclipsada, em parte em função dos deslocamentos constantes que os moradores negros nos bairros centrais sofreram. Uma historia de demolições, remoções, despejos e exílios em COHABs ou bairros pé-no-barro, distantes, que ameaçam sem cessar os não proprietários de suas moradas. Mas em parte também por uma espécie de opção colonizadora, por negar a presença material e espiritual da cultura negra como constituidora de nossa cidade, de nossa urbanidade”.
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