Cleide Nepomuceno

As mudanças climáticas já eram anunciadas, mas recentemente pudemos sentir literalmente na pele os seus efeitos e, embora o clima seja o mesmo para todos, a forma como a temperatura é experenciada é diferente nas regiões mais abastadas e nas periferias. E, como se não bastasse, as populações de áreas periféricas em Belo Horizonte e Região Metropolitana ainda sofreram com a falta de água durante a última e recente onda de calor.

O enfrentamento de temperaturas altas e a demanda pelos serviços essenciais de energia, água e saneamento básico remetem à reflexão sobre o fornecimento desses serviços em regiões informais, assentamentos irregulares e ocupações urbanas, por uma questão humanitária que diz respeito não somente a essas pessoas, e sim, a toda a sociedade como forma de tratamento das questões ambientais e sociais para o progresso da humanidade.

O crescimento desordenado das cidades é um fato que tem suas raízes na desigualdade social, pois em uma sociedade capitalista, (quase) tudo pode se transformar em mercadoria e a terra urbanizada só é acessível a quem pode pagar por ela, o que exclui a maior parte das pessoas.

Nas periferias, a cidade cresce de maneira informal, por meio de desmembramento de áreas ao arrepio da Lei de Parcelamento do Solo (6766/79) e ignorando as regras municipais de uso e ocupação do solo. Em regra, nas periferias a comercialização de imóveis e lotes ou pedaços de terra é realizada por meio da tradição, passando longe do sistema cartorário, que é a regra para a transferência da propriedade em nosso ordenamento legal.  

As irregularidades não se dão apenas em relação às regras municipais e ao registro dos imóveis. A edificação das casas e aberturas de vias públicas ocorrem sem prévia autorização do Município e o acesso aos serviços públicos de água, saneamento básico e energia elétrica para os moradores, cuja prestação do serviço é autorizada pelo Município, também é informal.  

O acesso a esses serviços essenciais acontece por meio de ligações clandestinas, que permitem o uso de uma energia de qualidade ruim com potencial de provocar danos a eletrodomésticos, além de prejudicar as comunidades vizinhas que possuem o serviço regular. O acesso à água também é problemático, pois acumula muitas perdas e o saneamento básico e descarte de águas servidas são improvisados, comprometendo o solo e o meio ambiente.  

O acesso irregular a esses serviços acarreta prejuízo às concessionárias e, embora os moradores não paguem pelos serviços, cuja obtenção furtiva é conhecida por “gato”, em sua maioria eles desejam a regularização dos serviços, pois a oferta regular, além de possibilitar uma qualidade superior na prestação, também significa o direito a ter um endereço que é essencial para qualquer cidadão ser inserido na cidade, fazer cadastros, compras e conseguir trabalho.  

Embora benéfica às concessionárias e aos moradores de assentamentos informais, a regularização dos serviços públicos esbarra na necessidade da prévia regularização fundiária por parte do Município que, em apartada síntese, precisa fazer trabalhos de topografia e drenagem pluvial, entre outros serviços de urbanização, para corrigir as falhas do crescimento desordenado e permitir que as concessionárias de energia e água ofereçam os serviços.  

Embora seja inegável a necessidade de regularização fundiária com suas obras de urbanização, o que é inclusive reconhecido pela Legislação Federal 13465/2017, reivindicamos a realização de acesso provisório à água, soluções de saneamento básico e à energia elétrica. Esta última prevista em Resolução da ANEEL, como forma de satisfação de direitos fundamentais das pessoas diretamente atingidas, e também como forma de amenizar os impactos sociais negativos que lançamentos de esgoto clandestino e águas servidas (usadas) causam no meio ambiente.  

As mudanças climáticas exigem o combate de todos os problemas que a atingem a sociedade e, entre eles, está o uso racional de recursos naturais como a energia e a água e, para que esse uso seja racional, deve chegar de forma eficiente a todos, o que implica um serviço regular a assentamentos informais (favelas, loteamentos clandestinos ou irregulares e ocupações), que evite desperdícios em sua distribuição.  

A falta de água nos dias mais quentes do ano foi explicada em razão do aumento da demanda, mas a necessidade de água, em especial nesses dias, exige a revisão da forma como tem sido feita a sua estruturação na busca de maior eficiência. O saneamento básico, aqui compreendido não apenas como o esgotamento sanitário, mas drenagem pluvial e descarte de lixo, é salutar para melhorar a qualidade das cidades que, direta ou indiretamente, afetará toda a sociedade.  

O progresso da humanidade perpassa por um agir e pensar coletivo que seja inclusivo e democrático, pois não é possível melhorar a qualidade do ar somente nas regiões mais abastadas, como também não é possível um uso racional da água somente em parte da cidade, embora o apelo pela dignidade humana devesse ser suficiente para que todos tivessem direito à água, luz e saneamento básico. Lembramos que melhorar as condições ambientais para salvar o planeta implica olhar para as periferias das cidades também.

Foto: Poder360.

 

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