“A falta de endereço atinge tanto áreas rurais quanto urbanas. Famílias sem endereço cadastrado têm problemas para acessar serviços que demandam cadastramento ou correspondência postal. Por isso, o endereçamento é uma função importante do Estado na direção de conferir status oficial a moradias e estabelecimentos e, assim, ampliar o acesso a direitos e serviços diversos. Mas diferentemente do que os anúncios oficiais deixam parecer, a ferramenta da Google não serve para resolver esse problema, e por isso é difícil imaginar que a adoção do Plus Code tenha partido de uma demanda ou necessidade local”.

“O Plus Code, também conhecido por Open Location Code, é uma tecnologia que busca resolver esse problema – para a Google. Por dispensar a existência de um endereço por extenso, o Plus Code permitiria, por exemplo, enviar uma encomenda para uma ilha deserta no meio do oceano. Isso porque não se trata de um endereço, e sim de coordenadas geográficas com um verniz de código. O script da tecnologia divide a Terra em vários níveis de quadrículas, com precisão de até três metros, e gera um código de “arredondamento” da latitude e longitude – o próprio Plus Code. O script é bastante simples e poderia ter sido criado por qualquer pessoa com algum conhecimento de cartografia e de alguma linguagem de programação – inclusive as equipes técnicas do Estado. Mas como o código é de autoria da Google, existem outras variáveis em jogo. Afinal, qual o interesse da empresa em transformar os endereços do mundo em plus codes”?

“Como sinaliza a nota oficial, esse é apenas o começo: o governo tem intenção de expandir o uso do código em comunidades urbanas nos próximos meses. No chão da cidade, muitas comunidades não cadastradas já possuem nomes em suas ruas e vielas, atribuídos pelos próprios moradores. Os cadastramentos realizados por prefeituras por vezes substituem essas toponímias por sequências numéricas, mas a adoção de coordenadas geográficas – com pirotecnia tecnológica – como endereço inauguraria uma nova prática, com linguagem militarizada e abstrata, longe dos processos de formação e ativação de memórias coletivas que compõem os nomes, negando mais uma vez a urbanidade a esses bairros. Afinal, ninguém mora num par de coordenadas”.

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