A questão da habitação no Brasil perpassa temas que não dizem respeito apenas ao acesso à habitação, mas a processos mais complexos, relacionados à própria forma como as cidades e o País se constituíram historicamente em suas heranças coloniais e, posteriormente, na busca pelo “progresso” e seu desenvolvimento econômico, todos capítulos da nossa história que culminaram na materialização de desigualdades no espaço.
Na canção de Lazzo Matumbi 14 de Maio, encontramos versos que se referem ao dia seguinte da abolição da escravatura e a condição de um ex- escravizado frente a um contexto que não lhe garantia nada, além de, ironicamente, a liberdade: “No dia 14 de maio eu saí por aí / Não tinha trabalho, nem casa, nem pra onde ir / Levando a senzala na alma, eu subi a favela / Pensando em um dia descer, mas eu nunca desci”.
A terra foi tratada como mercadoria, espoliada e negada a negros, povos originários e população mais pobre. A má distribuição e a privação de acesso a determinados grupos sociais seguem sendo um dos pontos de partida de nossas desigualdades urbanas.
Assim, a solução encontrada para acessar a terra e a moradia foi a autoconstrução, ou seja, famílias passaram a erguer as próprias casas nos terrenos mais baratos ou desvalorizados pelo mercado. Essa lógica consolidou a desigualdade urbana como parte estrutural do desenvolvimento brasileiro, transformando a cidade em expressão concreta das contradições sociais. A autoconstrução consolidou-se como prática possível diante da ausência de políticas habitacionais efetivas, dando origem a grande parte das favelas e periferias que marcam a paisagem das cidades brasileiras.
Não há uma fórmula pronta de solução total, mas é preciso concentrar esforços para a diminuição de vulnerabilidades urbanas e habitacionais, bem como enfatizar a potência do que já está sendo feito em diversos territórios populares Brasil afora, com a participação de profissionais engajados socialmente e de movimentos que estão há décadas envolvidos nas diversas frentes de luta, para que o direito à moradia, à cidade e ao território deixe de ser promessa e se torne realidade concreta e para que seja possível viver com dignidade.
Foto: retirada da reportagem.
Fonte: Carta Capital..